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8 de Fevereiro de 2019

Plenitude de defesa no Tribunal do Júri

Canal Ciências Criminais, Estudante de Direito
há 2 anos

Plenitude de defesa no Tribunal do Jri

Por Daniel Zalewski

O silêncio no plenário era forte e marcante. Os murmúrios que acompanharam aquela sessão não estavam mais presentes. Ardia no peito do jovem advogado uma mistura de sentimentos e sensações. O cansaço físico era aparente, e também notório o sentimento de satisfação, pois sabia do belo trabalho que havia feito naquele plenário.

O olhar do réu, pela primeira vez em semanas, brilhava pela luz da esperança. Os jurados estavam visivelmente atordoados com o que aquele plenário havia acabado de proporcionar, pois muitos tiveram inicialmente a intenção de condenação.

Fortemente batia também o coração do promotor de justiça, pois a condenação mais certa do ano, pela primeira vez, estava indo por água a baixo. Desolados estavam os membros da mídia que faziam a cobertura daquela arena, eis que davam como certa a prisão do réu, e não aceitariam nada diferente disso.

Na sequência, o juiz que presidia a sessão pergunta ao membro do parquet se ele iria à replica.

O promotor, com receio de dar a chance de manifestação novamente ao defensor, balança timidamente a cabeça em sinal de negativa.

Nesse momento, o jovem advogado, filho de um grande jurista, e que carregava nos ombros grande responsabilidade em decorrência da filiação, dá um pulo da cadeira, soca a bancada de defesa, e com uma voz imponente, afirma:

"Com toda vênia Meritíssimo, não é cabível tal absurdo, pois a Constituição Federal garante a plenitude de defesa, e como este causídico vai se dar por satisfeito, e terá garantida a sua defesa plena, se nem sequer pode “calcular” o tempo de sua fala?"

Nessa hora, o ilustre advogado mostrou que do pai não herdou apenas o sobrenome, mas também a coragem, o senso de justiça e, principalmente, o dom sagrado: era, de fato, um plenarista.

A TESE

A Constituição Federal brasileira consagra o princípio da PLENITUDE DE DEFESA no Tribunal do Júri, positivada no art , inciso LXXXVIII, alínea a: utilizando-se somente a língua portuguesa já é possível fazer-se a diferenciação entre os processos do tribunal do júri (princípio da plenitude) e o processo penal de forma geral (princípio da ampla defesa e a paridade de armas de modo geral).

Nesse sentido, o doutrinador Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 31) ensina:

“A expressão 'amplo' indica algo vasto, extenso, enquanto a expressão 'pleno' significa algo completo, perfeito. A ampla defesa reclama uma abundante atuação do defensor, ainda que não seja completa e perfeita. Contudo, a plenitude de defesa exige uma integral atuação defensiva, valendo-se o defensor de todos os instrumentos previstos em lei, evitando-se qualquer forma de cerceamento."

Dessa forma, a defesa deve ser completa, e não somente ampla. Mas como é possível fazer-se uma defesa completa ante a impossibilidade de nova manifestação em plenário quando da tréplica caso o ilustre parquet desista de sua manifestação no momento da réplica?

Sabe-se que, não raras as vezes, o representante do Ministério Público utiliza-se deste artifício como meio de facilitar a condenação do sujeito, uma vez que, ao suprimir-se de falar, deixa assim a defesa sem o direito de novamente se manifestar, fazendo com que a primeira parte dos debates orais seja a sua única e deficiente defesa, indo assim de encontro ao que a Carta Magna dispõe a respeito do direito a completa defesa.

Conforme o relatado acima, não há que se falar em paridade de armas quando dos procedimentos abrigados sob o manto do Tribunal do Júri, eis que a Constituição traz expressa a plenitude de defesa, e essa somente se perfectibiliza com a existência de “mais garantias” ao réu, principalmente se for levado em consideração o fato de que os jurados não necessitam fundamentar a sua decisão (seja ela condenatória, seja ela absolutória), condenando sigilosamente o réu e sem motivação por crimes dolosos contra a vida, que normalmente possuem penas altas.

A maioria da doutrina processual penal brasileira não faz uma definição apropriada do “mérito” da forma de aplicação desse princípio, inclusive alguns até erroneamente confundem a plenitude de defesa como modelo geral do processo a (ampla defesa), ou pior ainda, tem-na por inferior a esta, sob o discurso de que por se tratar de procedimento especial, os princípios específicos do júri não poderiam apresentar caráter mais benéfico ao acusado do que os destinados aos processos penais “comuns”.

Sem a menor sombra de dúvidas, essa seria entre todas a pior alternativa, uma vez que relativiza a Constituição Federal e a sujeitando ao Código de Processo Penal, fazendo assim uma inversão de deveres e valores entre a Constituição (norma fundamental para Hans Kelsen) e a norma processual penal.

Sendo assim, nos processos do Tribunal do Júri deve ser utilizado o princípio da plenitude de defesa, devido a sua especificidade. No mesmo sentido, e igualmente errôneo, o Ministro da Justiça e doutrinador Alexandre de Moraes, afirma que

"a plenitude de defesa encontra-se dentro do princípio maior da ampla defesa, previsto no artigo , LV, da Constituição Federal."

Esse argumento vai contra a própria lógica (além da semântica, como já citado), pois não haveria necessidade do legislador explicitar a plenitude de defesa quando dos procedimentos do Tribunal do Júri, se tão somente bastasse a utilização da ampla defesa nesses casos.

O professor Luiz Flávio Gomes (faz uma d o tema, da qual em partes concordamos:

“A plenitude de defesa é aquela atribuída ao acusado de crime doloso contra a vida, no Plenário do Júri e, vale dizer, é bem mais 'ampla' do que a ampla defesa garantida a todos os litigantes em processo judicial ou administrativo.”

Importante asseverar que a plenitude de defesa NÃO começa no plenário do júri, e sim muito antes. A plenitude nada mais é que a garantia pro-réu de ter uma defesa completa, e uma defesa completa não é feita tão somente em plenário, como bem sinalado pelo ilustre Jean M. Severo:

" o advogado precisa conhecer o processo de capa a capa ".

E, indo mais além, para que seja garantida efetivamente a plenitude de defesa, o advogado necessita atuar com ela de capa a capa, pois só assim terá maior base defensiva para entrar no plenário do júri e para fazer valer o direito constitucional do réu.

Nesse sentido, tem-se não ser compatível com a garantia da plenitude de defesa o insculpido no art. 479 CPP (ROSA, KHALED JR., 2015):

“Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte.”

Ora, dar prazo idêntico para a juntada de documentos ao Ministério Público e a defesa beira ao absurdo, pois a defesa deve, por lei, ter mais garantias constitucionais, e, desta forma, se minimamente comprovada a necessidade da prova para que haja uma defesa completa, deverá o juiz aceitá-la integralmente em plenário, pois só assim a defesa estará o mais próximo de sua completude.

Outra questão polêmica e que abre todo tipo de base para discussão, já mencionada quando dos primeiros parágrafos do texto, diz respeito ao advogado fazer a defesa em plenário sem saber se terá a oportunidade de assumir a palavra novamente.

Resta mais do que demonstrado que o Ministério Público, atualmente, possui a diretriz tática do jogo processual, tornando difícil a coexistência da plenitude defensiva quando da dependência da manifestação do parquet para a finalização da defesa, e isso deve ser levado na prática inclusive para os casos em que o próprio membro ministerial pede a absolvição.

A defesa tem que ser COMPLETA, e para isso o advogado deve, no mínimo, poder levar as provas que bem entender para a arena popular (não importando o prazo), e saber em quais momentos e por quanto tempo terá a oportunidade de manifestação escrita ou oral.


REFERÊNCIAS

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal: 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

ROSA, Alexandre Morais da; KHALED JR, Salah. Neopenalismos e constrangimentos democráticos. 1. Ed. Florianópolis: Editora Empório do Direito, 2015.

Fonte: Canal Ciências Criminais

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